quarta-feira, 4 de maio de 2011

Entrevista a Armando Caldas

   A Fotografia de Natureza é, entre outras coisas, uma forma de dar a conhecer a fauna e a flora selvagens à comunidade, sendo portanto uma forma eficaz de consciencialização.
   Deste modo, decidimos abordar o tema ao entrevistar Armando Caldas, um  fotógrafo com muito talento, a quem agradecemos a sua disponibilidade e simpatia em nos conceder esta entrevista!

Como e há quanto tempo se começou a interessar pela Fotografia de Natureza?  

 O meu interesse pela Natureza nasceu comigo. Lembro-me de na infância vibrar com os pássaros que   os meus irmãos roubavam dos ninhos e traziam para casa... pegas, melros, poupas e outros. E depois foi a enciclopédia "Fauna" do Félix Rodriguez de La Fuente que o meu pai ia buscar a Espanha ainda em fascículos... os volumes encadernados eram quase tão grandes quanto eu na altura e pesavam-me nas pernas! Mas como eu me deliciava a ver aquelas imagens enquanto os meus irmãos, que já sabiam ler e eu não, me explicavam o que se passava naquelas imagens... 
Mais tarde já na adolescência, um amigo mais velho ofereceu-me um livro de borboletas e a minha vida mudou radicalmente... "O Grande Livro das Borboletas" do George Ordish arrastou-me para um mundo maravilhoso no qual eu conseguia entrar... não era mais um livro de histórias encantadas para crianças, era o relato de uma realidade cheia de beleza e fascínio que existia mesmo!
Por volta dos 15-16 anos, com o acaso do inevitável, tornei-me membro de uma associação ambientalista (o NPEPVS) cujo secretário geral, o actual Director do Parque biológico de Gaia o Dr. Nuno Oliveira, teve a grande sensibilidade de pegar em mim e pôr-me a trabalhar nuns projectos de contagens de aves marinhas. Aí despertou a minha paixão pelas aves e pelo ambientalismo.
Teria uns 17 anos quando o meu pai me pediu para o acompanhar a uma casa de artigos fotográficos para comprar uma máquina fotográfica reflex. Eu já tinha feito umas experiências com uma Kodac compacta... lembro-me de ter fotografado gaivotas, lagartos e afins. A nova reflex, à qual o meu pai felizmente nunca se adaptou, abriu-me um mundo novo... embora sempre limitado pelas objectivas que continuavam a não me permitir ir muito longe na fotografia de Natureza. Recordo que com o primeiro rolo fotográfico que fiz com essa máquina ganhei dois prémios... com fotos a preto e branco de barquinhos no mar, porque não havia dinheiro para os rolos a cores.
Entretanto houve um intervalo de tempo de cerca de 20 anos em que nunca deixei de ter máquina fotográfica nem binóculos para observar aves, mas durante o qual a minha vida complicada me impediu de me dedicar a sério à fotografia, tanto por limitações de tempo como monetárias.
Há 6 anos atrás, com a chegada da era digital investi numa câmara bridge e comecei a brincar um bocadinho na fotografia de bicharada. Só há 3 anos é que o Tomás Martins, que já andava na fotografia de aves, descobriu na internet umas fotos minhas de gaivotas nas ilhas Cies, em Espanha, e meteu conversa comigo por morarmos ambos na mesma terra. Isso coincidiu com o momento em que perdi o meu emprego como Engenheiro Zootécnico... e decidi investir a indemnização do desemprego em equipamento fotográfico para fotografar aves.
Na altura, tal como hoje, pensei que melhor do que gastar o dinheiro em psicólogos e anti-depressivos seria procurar uma alternativa mais saudável. Os conselhos do Tomás relativamente ao equipamento que deveria adquirir foram extremamente preciosos. Fui estrear o equipamento a Beja com uma pessoa fantástica que é o Dr. Dinis Cortes, experiente homem de campo e fotógrafo. Com ele aprendi como fotografar aves. O resto veio naturalmente… é impossível gostar-se da Natureza e ficar-se limitado à fotografia de aves.


O que se modificou na sua vida desde aí? O que o motiva? 

A minha vida mudou radicalmente desde que me tornei fotógrafo de Natureza... algo que estava dentro de mim germinou com a força de uma semente guardada durante anos à espera de apanhar um pouco de humidade.
O contacto com a Natureza que eu já buscava sempre nas férias quando me deslocava para a montanha e na vida, procurando sempre os meios rurais para morar, apoderou-se de mim completamente.
Acabei por perceber que a minha vocação era servir a Natureza, e fiz disso a minha causa de vida. A melhor forma que descobri para o fazer foi fotografar para divulgar, para ajudar os outros a conhecê-la e assim a amarem da mesma forma que eu. A minha vida tornou-se numa grande corrida contra o tempo em que tento compensar 20 anos de atraso... com isso já prejudiquei a minha vida social e familiar, mas tenho contado com a compreensão de quem me rodeia!
Motiva-me um grande amor pela Natureza e abraço a causa da conservação do Ambiente. A fotografia é apenas uma paixão que eu pus ao serviço dessa causa maior.
 

Tem algum local preferido para fotografar?

Não posso dizer que tenha locais favoritos para fotografar. Actualmente já não vou para o campo para ver o que aparece... vou sempre à procura de algo pré-estabelecido, algo que ainda não fotografei ou que quero fotografar melhor. Por isso, mais do que locais procuro os habitats em que essas espécies existem.
Obviamente as áreas protegidas são sempre locais de 1ª escolha já que aí se encontram mais facilmente espécies, habitats e paisagens mais difíceis de encontrar noutros locais. Habitats muito característicos como os estuários de rios com a sua vida exuberante ou as montanhas com espécies muito particulares, são também excelentes escolhas para a fotografia.
No entanto admiro-me muitas vezes da "resiliência" da Vida... em pequenos cantos como parques e jardins de grandes cidades a Vida desbrava o seu caminho procurando sobreviver. Nesses jardins encontram-se muitas vezes espécies que à partida não se esperaria fotografar. Tenho fotografado muito nesses locais.


Algum conselho para quem se quiser iniciar nesta actividade?

Para quem se quer iniciar na fotografia de Natureza tenho muita coisa a dizer... a primeira é o aviso de que há que saber estar na Natureza. E saber estar na Natureza é respeitá-la, tentar interferir o mínimo e ter sempre presente que não se pode prejudicar a Natureza por causa de uma fotografia. Mas aqui não quero cair em fundamentalismos... retirar uma joaninha de uma flor para a fotografar em cima de outra flor não me parece condenável. Mas parece-me obrigatório que um fotógrafo de Natureza, antes de o ser, tem de ser um ambientalista...
Do mesmo modo acho que um fotógrafo de Natureza deve ter princípios éticos sérios em relação aos seus colegas e a todos os que vêem o seu trabalho... as fotografias devem ser feitas na Natureza a animais selvagens... fotografar num jardim zoológico ou fotografar uma ave em cativeiro dentro de um grande galinheiro muito bem disfarçado de Natureza não é de modo algum admissível... e isso, infelizmente é mais vulgar do que se possa pensar. E é uma grande falta de respeito para com o público e para com os colegas que tanto se esforçam para captar esses momentos na Natureza.
Também me parece imprescindível que um fotógrafo de Natureza tenha um bom conhecimento de Natureza... que conheça os grupos de seres vivos, as espécies, os habitats, a biologia, os ecossistemas e todas as interacções entre eles. Não é necessário ser-se especialista em nenhum grupo, mas tem de se ter uma boa noção das espécies que existem e da forma como interagem... até porque as fotografias de Natureza devem retratar uma Natureza real e não uma Natureza idealizada por princípios estéticos filosóficos. Muitas vezes vejo fotografias que me desagradam embora esteticamente estejam perfeitas... quando já vi essas espécies no seu ecossistema facilmente constato quando a realidade foi manipulada no campo. Ou pior que isso quando a própria fotografia foi manipulada em edição pós-produção no computador... a edição das imagens em computador é obrigatória, mas os limites do que é permitido ou não alterar numa fotografia são difíceis de definir. Na minha perspectiva parece-me claro que não se devem colocar animais ou plantas onde eles não estavam… mas este tema suscitaria uma conversa muito mais alongada…
Recorro por essa razão muitas vezes ao auxílio de especialistas em determinados grupos e informo-me, estudo e discuto com esses especialistas e outros fotógrafos. Um fotógrafo de Natureza tem de estar sempre disposto a estudar e a aprender... consigo próprio no contacto directo no campo e com os outros.
Do mesmo modo tem de estar muito bem informado sobre o uso do equipamento fotográfico e das técnicas e sobre as regras mais básicas de fotografia em geral. Experimentar muito e fotografar ainda mais. A visualização dos trabalhos dos outros é uma preciosa ajuda para quem quer evoluir.
Tem também, o fotógrafo de Natureza, de estar disponível para se levantar de madrugada e muitas vezes se deitar tarde... fazer longas caminhadas, sujeitar-se às agruras do tempo, não ter medo de se sujar, de meter os pés na água ou de rastejar. E sem dúvida... a paciência é a maior virtude de um fotógrafo de Natureza! Por essa razão é aconselhável ir para o campo acompanhado, seja pela partilha de experiências, seja pelo facto de 4 olhos verem melhor que 2, ou pela simples companhia… tanta vez motivadora nas inevitáveis horas de desânimo que acompanham um fotógrafo na Natureza quando procura e não encontra…
De um ponto de vista mais prático gostaria de aconselhar quem se inicia nesta actividade a procurar sempre o "diferente"... eu costumo disparar em rajada quando vejo algum animal a fazer alguma "gracinha", e essas são sempre as minhas fotos preferidas e de quem as vê!
Uma outra regra de ouro que eu tenho (mas que como todas as regras pode e deve ser quebrada por vezes), é a de fotografar os animais à altura dos olhos deles... essa perspectiva permite-nos a maior parte das vezes vê-los de uma forma a que não estamos habituados e torna-nos mais "próximos" da sua realidade.   Na fotografia de paisagem procuro sempre algo que quebre a possível monotonia... algo que nos chame o olhar e que permita a partir daí assimilar toda a restante imagem.
Por último gostaria de avisar os candidatos a fotógrafos de que esta é uma actividade muito exigente em tempo e dinheiro. O tempo nunca chega... e o equipamento, para além de ser caro, também nunca é o suficiente nem o suficientemente bom...


Que importância julga ter a Fotografia de Natureza na consciencialização da comunidade?

O ser humano é sensível à beleza, está na sua natureza. As belas imagens (as tais que podem valer mais que mil palavras) podem despertar o interesse e posterior consciencialização das pessoas para o Ambiente e para a sua conservação. E essas imagens podem ser veiculadas de diversas formas… pela internet, em publicações, em exposições ou simplesmente coladas nas paredes ou nos pacotes de açúcar que usamos no café!


Em que projectos relacionados com a Natureza está envolvido actualmente?

 A forma como comecei a divulgar o meu trabalho foi através da internet… e fiquei maravilhado por me aperceber que o meu trabalho era apreciado por tanta gente. Mais que isso, agradou-me a facilidade com que se faziam os contactos com todos os que se interessavam pelo tema e mesmo com muitos especialistas que simpaticamente ajudavam a identificar espécies e davam informação sobre as mesmas. Por isso, essa vertente nunca a abandonarei… por ser uma excelente maneira de divulgar e chegar a quase todo o tipo de público, e por me permitir sempre evoluir nos conhecimentos.
Mantenho parcerias com alguns sites na internet, aos quais cedo fotografias, como por exemplo o “Naturdata” e o “Aves de Portugal”. Não tenho ainda um site próprio mas está a ser concebido.
Muitos dos registos fotográficos que faço são também utilizados por instituições científicas e em bases de dados para a cartografia das espécies… algo que está ainda muito mal estudado neste país, sobretudo nos invertebrados.
Actualmente estou integrado no Grupo de Trabalho de Fotografia de Natureza, do Ambiente e Documental da Quercus. O responsável por esse grupo, o Eng. João Branco, concebeu a ideia de criar uma série de Guias Fotográficos com a chancela da Quercus.  Assim surgiu há 6 meses o “Guia Fotográfico Quercus – Anfíbios de Portugal” de que sou autor e em que a quase totalidade das fotografias são minhas. Estou neste momento a escrever o guia dos répteis de Portugal, que suponho, surgirá no mês de Junho.
Estou também a tornar-me mais activo na educação ambiental, acompanhando passeios na Natureza, palestras, debates e outras formas de chegar até ao público.

 
 Projectos futuros na área?

Não serão muito diferentes dos actuais. A minha tarefa fundamental e que me dá mais prazer é realmente estar na Natureza e fotografar… por isso continuarei sempre a fotografar e a aperfeiçoar-me. Tenho consciência que essa é a base do meu trabalho e que tenho muito para evoluir e muito portefólio para construir.
Quero continuar a trabalhar em Guias de Identificação porque são uma necessidade neste país e reconheço a sua importância para quem anda no campo. Quando se anda na Natureza e se sabe dar o nome aos seres vivos e se conhece um pouco da sua biologia, o tema torna-se muito mais estimulante.
Mas o futuro é uma incógnita… que espero me reserve boas surpresas que sirvam a minha causa de proteger a Natureza e me permitam sobreviver fazendo-o!




2 comentários:

  1. Acho de elevada importância o trabalho desenvolvido neste blog. Divulgam-se aspectos muito importantes da natureza e de dos seres vivos seus constituintes. Gostei particularmente desta entrevista, que devo dizer está feita de um modo muito interessante pois procura saber aspectos variados do trabalho do fotografo. Já conhecia o trabalho de Armando Caldas e sendo seguidora do mesmo acabei por vir aqui "parar". Acho que a entrevista é muito interessante e útil para pessoas que se interessem pela área e que estejam a pensar desenvolver trabalho na mesma. Continuem o bom trabalho....

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  2. Obrigada pelo seu comentário, é sempre agradável receber opiniões relativamente ao nosso trabalho.

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